Projeto de Lei propõe alterações nas relações jurídicas de direito privado

Projeto de Lei propõe alterações nas relações jurídicas de direito privado

O Projeto de Lei nº 1.179/2020 (“PL”), apresentado em 31.3.2020 pelo Senador Antonio Anastasia, pretende instituir normas transitórias e emergenciais para regular as relações jurídicas de direito privado durante o período de pandemia da COVID-19. Na prática, além de criar normas novas, o PL suspende outras já vigentes, sem implicar alteração ou revogação do texto original (evitando, com isso, alegações de revogação tácita, por exemplo). O PL é mais uma iniciativa para mitigar o impacto da pandemia nas relações jurídicas privadas.

O PL se apoia em algumas premissas (por ele denominadas de princípios): (i) não alterar permanentemente a legislação em vigor; (ii) manter a separação entre relações de Direito Civil e de Direito Comercial das relações de Direito do Consumidor e das Locações Prediais Urbanas; e (iii) limitar seu escopo às matérias de direito privado.

Seu conteúdo é bastante abrangente, trazendo modificações em temas diversos do direito privado, tais como Direito de Família, Direito Concorrencial e Contratos Agrários. Entre as principais inovações trazidas pelo projeto de lei, destacamos as seguintes:

  • Suspende prazos prescricionais e decadenciais, a partir da vigência da lei até 30.10.2020. A previsão da suspensão é genérica e não detalha, de forma expressa, se alcançaria apenas prazos previstos em lei ou também prazos específicos convencionados em acordos privados. Se o dispositivo permanecer no texto proposto pelo PL, é provável que discussões como essa sejam levadas ao Poder Judiciário ou a Tribunais Arbitrais, que serão responsáveis por dar ao tema a interpretação que entenderem mais adequada;
  • Prorroga a entrada em vigor dos dispositivos em geral da Lei 13.709/2018 (“Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais” ou “LGPD”) para 1.2021 e quanto aos artigos 52 a 54, que tratam das sanções administrativas às infrações previstas na LGPD, para 1.8.2021;
  • Impede que o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário sejam considerados “fatos imprevisíveis” para fins de resolução de contratos por onerosidade excessiva, como preveem os arts. 478 a 480, do Código Civil. Essa exceção, porém, não se aplicará às regras de revisão contratual previstas no Código de Defesa do Consumidor ou na Lei nº 8.245/1991, que trata das locações de imóveis urbanos;
  • Declara que, nas execuções dos contratos, as consequências decorrentes da pandemia não terão efeitos jurídicos retroativos (fazendo expressa referência ao exemplo contido no art. 393, do Código Civil, segundo o qual “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”);
  • Suspende a aplicação dos incisos XV e XVIII do §3º do art. 36 da Lei nº 12.529/2011, que tratam, respectivamente, da venda de mercadoria abaixo do preço de custo sem justificativa, e da subordinação da venda de um bem ou serviço à aquisição de outro. Tais práticas, vedadas na referida lei, deixariam temporariamente de ser consideradas infração à ordem econômica brasileira;
  • Suspende até 31.10.2020 a presunção de haver ato de concentração quando duas ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture, para contratos iniciados a partir de 20.3.2020 ou enquanto durar a declaração do estado de calamidade pública;
  • Permite que reuniões de colegiados e assembleias, inclusive nas sociedades comerciais e para fins de alteração de estatuto ou destituição de administradores, sejam realizadas por meio virtual, e possibilita que os participantes se manifestem por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, o que produzirá os mesmos efeitos legais de uma assinatura presencial;
  • Prorroga para 30.10.2020 todos os prazos legais para a realização de assembleias e reuniões de quaisquer órgãos, presenciais ou não, e para a divulgação ou arquivamento nos órgãos competentes das demonstrações financeiras pelas pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividade empresarial;
  • Permite que os dividendos e outros proventos sejam declarados durante o exercício social de 2020 pelo Conselho de Administração ou, se não houver, pela Diretoria, ainda que inexista previsão estatutária ou contratual sobre a aprovação do pagamento pelos órgãos da companhia, sem que haja deliberação dos sócios. Poderá ser relevante, nesse período, a utilização do mecanismo de antecipação do pagamento de dividendos (previsto no artigo 204 da Lei das Sociedades Anônimas, Lei 6.404/76), com a declaração de dividendos intermediários pelos órgãos de administração, a conta do lucro apurado em balanço semestral, o que poderá ocorrer independentemente de previsão no estatuto das companhias;
  • Veda o despejo de imóveis prediais até 31.12.2020, sendo lícito ao proprietário requerer o imóvel para uso próprio ou de seus familiares;
  • Possibilita a suspensão total ou parcial do pagamento dos alugueres vencíveis a partir de 20.3 até 30.10.2020, para os locatórios residenciais que sofrerem alteração econômico-financeira, decorrente de demissão, redução de carga horária ou diminuição de remuneração; e
  • Amplia os poderes do síndico de condomínio edilício para restringir a utilização das áreas comuns e para restringir ou proibir a realização de reuniões ou festividades, inclusive dentro da propriedade exclusiva dos condôminos.

Além dos dispositivos expressamente previsto no texto do PL, ao menos dois aspectos de sua “Justificação” merecem destaque:

  • Embora nenhum dispositivo do PL indique tal fato textualmente, a “Justificação” menciona que sua edição teria como propósito “conter os excessos em nome da ocorrência do caso fortuito e da força maior”; e
  • A “Justificação” menciona que algumas das normas propostas pelo PL seriam, de qualquer forma, encaminhadas ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por intermédio do Ministro Dias Toffoli, “sob a forma de recomendação aos magistrados brasileiros”. O PL, contudo, teria por objetivo converter tais recomendações em lei, de modo a conferir maior segurança jurídica às relações de direito privado.

O projeto foi votado em tempo recorde, tendo tramitado sob regime de urgência. Na mesma semana de sua propositura, a relatora do projeto no Senado, a senadora Simone Tebet (MDB/MS), produziu um parecer sobre as medidas propostas contemplando as mais de 88 emendas protocoladas por senadores.

O texto final do PL, consolidado sob o texto substitutivo apresentado pela relatora, foi aprovado por unanimidade dos senadores na sexta-feira (3.4.2020) e será encaminhado para apreciação na Câmara dos Deputados e, se aprovado, posteriormente, à sanção presidencial.

Seguimos monitorando o debate e a evolução do tema no Poder Legislativo, considerando, especialmente, as possíveis alterações legislativas que o PL ainda poderá sofrer. A íntegra do projeto de lei 1.179/2020 pode ser acessada clicando aqui.

Este material tem caráter meramente informativo e não deve ser utilizado isoladamente para a tomada de decisões. Aconselhamento legal específico poderá ser prestado por um dos nossos advogados. Direitos autorais são reservados ao Kestener, Granja & Vieira Advogados.

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