STF julgará restrição da responsabilidade técnica de farmácias e drogarias

STF julgará restrição da responsabilidade técnica de farmácias e drogarias

O Pleno do Supremo Tribunal Federal (“STF”) julgará a constitucionalidade do artigo 5º da lei 13.021/14 que proíbe técnico em farmácia (profissional sem ensino superior) de assumir responsabilidade e assistência técnica de farmácias e drogarias. Atualmente, apenas os farmacêuticos habilitados na forma da lei (ie., ensino superior e inscrição no conselho de classe) podem desempenhar tal função, tal como prevê o dispositivo legal desafiado:

Lei nº 13.021/2014, Art. 5º. No âmbito da assistência farmacêutica, as farmácias de qualquer natureza requerem, obrigatoriamente, para seu funcionamento, a responsabilidade e a assistência técnica de farmacêutico habilitado na forma da lei.

O caso iniciou-se com um mandado de segurança impetrado por um particular, técnico de farmácia, contra ato do Conselho Regional de Farmácia (“CRF”) que, nos termos da lei 13.021/14, negou sua inscrição no CRF-MG e a emissão do Certificado de Regularidade Técnica, impedindo que o profissional assumisse a responsabilidade técnica de uma drogaria.

O tema passou, primeiro, por julgamento no Superior Tribunal de Justiça (“STJ”). A Primeira Turma entendeu que o técnico em farmácia só poderia atuar como responsável técnico até a entrada da lei 13.021/14 em vigor. Vigente a nova lei, a responsabilidade e assistência técnica caberiam única e exclusivamente aos farmacêuticos habilitados no conselho de classe. O ministro Og Fernandes, relator do RESp 1.243.994/MG, ponderou ainda que pensar de modo diferente equivaleria a inviabilizar a atuação dos farmacêuticos no mercado de trabalho, colocando-os em nível igual ou inferior ao dos práticos ou técnicos em farmácia.

No STF, por maioria de votos, reconheceu-se a existência de repercussão geral da questão constitucional desafiada no Recurso Extraordinário 1.156.197/DF: o debate trata da constitucionalidade do artigo 5º da lei 13.021/14. Para a maioria dos ministros, portanto, o caso envolve questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, alcançando interesses da sociedade.

Embora a decisão não apresente razões específicas para essa conclusão, é possível inferir que a repercussão geral do caso foi reconhecida em razão de vários fatores:, sem a intenção de esgotá-los a) o impacto da decisão em outros possíveis casos judiciais que envolvam o mesmo tema ou assemelhado de outras classes profissionais; b) a relação direta com os fundamentos do Estado de Direito social e democrático, que são os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, IV, da Constituição Federal); c) o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, e o respeito à qualificação profissional exigida em lei (artigo 5º, XIII, da CF); d) o tratamento qualificado que a Constituição dispensou ao direito social ao trabalho; e) os reflexos que a restrição ou ampliação do número de profissionais na responsabilidade e assistência técnica traz para o setor econômico.

No Recurso Extraordinário, outros argumentos são explorados com o objetivo de revelar a insuficiência do número de farmacêuticos no mercado brasileiro. Esse fato, por exemplo, é também apontado por pesquisas como aquela realizada em 2014 pelo ICTQ (Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico), que publicou o Censo Demográfico Farmacêutico do Brasil, que indica a falta de profissionais para mais da metade das farmácias do país, o que leva à irregularidade na prestação da assistência farmacêutica por esses estabelecimentos.

Há, também, uma discussão de fundo ainda mais importante: o potencial impacto – positivo ou negativo – que o resultado do julgamento trará para a assistência à saúde e para a proteção da saúde dos consumidores.

Nos últimos seis anos, há um importante movimento de expansão do conceito e da função das farmácias para a ideia de um estabelecimento de saúde de amplas funções, que, consequentemente, amplia as atividades desenvolvidas nesses estabelecimentos bem como a própria responsabilidade dos farmacêuticos habilitados na prestação desses serviços. São exemplos disso as resoluções já editadas pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), desde 2013, expandindo o rol de atividades autorizadas aos farmacêuticos, incluindo atribuições clínicas, a prescrição farmacêutica, e cursos de capacitação em serviços de cuidado farmacêutico no Sistema Único de Saúde.

Ainda sobre esse importante movimento, vale também mencionar que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou, no final de 2017, a resolução (RDC) 197/17 permitindo que farmácias e drogarias prestem serviço de vacinação em âmbito nacional (pois, antes, este serviço era permitido em alguns Estados apenas). Para tanto, a norma da ANVISA passou a exigir que o serviço seja prestado por profissional legalmente habilitado com formação superior ou técnica e desde que essa atribuição específica esteja prevista em lei.

Como se vê, o debate jurídico é complexo e suscita indagações de diferentes naturezas com significante impacto para o setor econômico de farmácias e drogarias. Considerando os argumentos levados ao STF, a preocupação da legislação seria a de garantir que o estabelecimento farmacêutico preste assistência farmacêutica de modo adequado, com a finalidade de assegurar o uso racional de medicamentos durante a farmacoterapia, visando a promoção, proteção e recuperação da saúde – pilares estabelecidos pela Constituição Federal no capítulo que trata da saúde do Brasileiro, que erige as ações e serviços de saúde como de relevância pública, no que foram reforçados pela lei 8.080/90, que regula, no território nacional, as ações e serviços de saúde lato senso.

Atualmente, há regras estritas sobre a assistência farmacêutica. Em linhas gerais, citamos as seguintes:

(i)                 Farmácias e drogarias devem prestar assistência farmacêutica ininterruptamente;

(ii)                Cada estabelecimento deve dispor de ao menos um farmacêutico como responsável técnico;

(iii)              O estabelecimento deve ter farmacêuticos em número suficiente para prestar a assistência farmacêutica durante todo o horário de seu funcionamento;

(iv)              Um mesmo farmacêutico poderá assumir a responsabilidade (ou direção) técnica de até dois estabelecimentos específicos, desde que haja compatibilidade de horários.

Com relação à responsabilidade ou direção técnica de empresas ou estabelecimentos que comercializam ou dispensam medicamentos, regulamento do Conselho Federal de Farmácia dispõe sobre três funções específicas, entre as quais não consta o técnico em farmácia (claramente em razão da vedação prevista no art. 5º da lei 13.021/14). As funções são as seguintes, previstas na resolução CFF 577/13:

(i)                 Farmacêutico Diretor Técnico ou Farmacêutico Responsável Técnico: responde pela empresa ou estabelecimento perante o CRF e os órgãos de vigilância sanitária;

(ii)                Farmacêutico Assistente Técnico: é subordinado hierarquicamente ao diretor técnico ou responsável técnico, podendo complementar carga horária ou auxiliar o titular na prestação da assistência farmacêutica; e

(iii)              Farmacêutico Substituto: presta assistência e responder tecnicamente no caso de impedimento ou ausência do diretor ou responsável técnico, ou ainda do Assistente Técnico.

É certo, portanto, que o julgamento do Recurso Extraordinário 1.156.197, objeto da discussão, trará bastante repercussão para a profissão e, em especial, para o setor farmacêutico no Brasil. Após concluído o julgamento no STF, a decisão terá abrangência nacional e caráter cogente, de cumprimento obrigatório pelos Conselhos e pelo setor.

 

A equipe de Life Sciences do Kestener, Granja & Vieira Advogados permanece à disposição para fornecer esclarecimentos adicionais ou auxiliar no que for necessário.

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