O debate, no Judiciário, sobre a retirada de um medicamento do mercado brasileiro: qual o limite da responsabilidade do titular do registro do medicamento?
Na última semana, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por unanimidade de votos, confirmou a improcedência de uma ação indenizatória que buscava a responsabilização civil de um de nossos clientes (uma farmacêutica multinacional) em razão de consequências alegadamente atribuídas à retirada de um determinado medicamento do mercado brasileiro.
Além de questões particulares relacionadas ao nexo causal, debateu-se, ao longo do processo, tema bastante relevante para o setor: se existe, e qual seria o limite de responsabilidade da indústria farmacêutica quando da retirada de um medicamento do mercado nacional.
A comercialização de medicamentos no mercado brasileiro é atividade regulada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (“Anvisa”), conforme competência expressa na Lei n° 8080/1990 e na Lei n° 9782/1999, de acordo com as regras previstas na Resolução RDC nº 18/2014. Referida norma estabelece as obrigações do titular de registro de medicamentos quanto aos prazos que deve obedecer e à comunicação, à Anvisa, do seu interesse em descontinuar, temporária ou definitivamente, a fabricação ou importação do medicamento.
Para a indústria farmacêutica, o direito de descontinuar a comercialização de um medicamento no Brasil representa autêntica expressão do direito de livre exercício da atividade econômica, previsto na Constituição Federal (artigo 5º, inciso XIII, e artigo 170, parágrafo único). Evidentemente, por se tratar de um medicamento, a regra é calibrada de modo a mitigar o impacto da medida aos consumidores. Mas impedimento para deixar de comercializar o produto não há.
Para mitigar esse impacto ao consumidor, há procedimentos regulamentares estabelecidos na norma sanitária que preveem o cumprimento de prazos, relativamente longos, para o titular do registro, os quais serão acompanhados, por comunicações formais do titular de registro, à Anvisa e ao mercado como meio de exercer um adequado dever de informar (observados os limites que outras normas impõem, como, por exemplo, as regras de publicidade e propaganda de medicamentos), como forma de mitigar potencial impacto ao livre exercício da atividade econômica, prevenindo potenciais litígios.
Portanto, a Constituição Federal e os regulamentos da Anvisa compõem o arcabouço normativo que permite, ao titular do registro sanitário, encerrar a comercialização de um medicamento no país.
Mas, mesmo cumprindo as regras administrativas sobre o tema, é comum observar ações judiciais propostas contra o titular do registro, em que o consumidor busca relacionar determinados fatos (e alegadas consequências) à descontinuação do medicamento. Por isso, é fundamental demonstrar ao Judiciário que o titular do registro agiu de forma constitucional, lícita, legítima e ética durante o processo de descontinuação, contribuindo para o bom debate sobre a matéria e para o êxito em ações judiciais dessa natureza.
Beatriz Kestener – Sócia de KGV
Flávio Ramos – Advogado Sênior de KGV
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