Os Avanços de 2024 na Regulamentação da Cannabis no Brasil
O ano de 2024 trouxe mudanças significativas no cenário regulatório e jurídico da Cannabis no Brasil. Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) moldaram mudanças importantes, enquanto o Legislativo mostrou resistência.
O Senado Federal aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (“PEC”) nº 45/2023, que visa alterar o artigo 5º da Constituição Federal para criminalizar a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Essa iniciativa surgiu como uma reação imediata ao julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 635.659 pelo STF, que descriminalizou o porte de até 40 (quarenta) gramas de Cannabis ou de até 6 (seis) plantas-fêmeas.
Embora a Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas) não mencione explicitamente tais quantidades, a decisão do STF promoveu a diferenciação entre usuário e traficante, buscando reduzir o encarceramento em massa, especialmente de populações mais vulneráveis, bem como fortalecer princípios constitucionais como a isonomia e a erradicação de desigualdades, marcando uma vitória da justiça social sobre o punitivismo.
Enquanto o Legislativo e o Judiciário divergem em suas abordagens, a crescente pressão de setores econômicos e da sociedade civil estimula um avanço mais racional e progressista na exploração da Cannabis, tanto para fins médicos quanto para outras finalidades.
No segundo semestre de 2024, houve mudanças igualmente relevantes. Em outubro, a ANVISA atualizou a Portaria SVS/MS nº 344/1998, autorizando a prescrição de produtos à base de Cannabis para animais. Essa medida representa maior segurança jurídica aos profissionais veterinários, que antes operavam em um cenário de incerteza regulatória. Contudo, a Agência esclareceu que, embora seja responsável pela regulamentação de substâncias de controle especial, a definição de diretrizes para produtos veterinários cabe ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), evidenciando a necessidade de maior coordenação entre diferentes órgãos para explorar plenamente o potencial da planta.
Em novembro, o STJ julgou o Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 16 no Recurso Especial nº 2.024.250/PR, autorizando o plantio, cultivo, industrialização e comercialização do cânhamo industrial (Hemp), para fins exclusivamente medicinais e/ou farmacêuticos. A autorização exige que o teor de Tetrahidrocanabinol (THC) não ultrapasse 0,3% e que normas específicas sejam estabelecidas pela ANVISA e pela União.
A decisão definiu prazos e diretrizes para regulamentação, priorizando a segurança da cadeia produtiva e a idoneidade das empresas envolvidas. No entanto, ANVISA e União opuseram Embargos de Declaração a fim de solicitar a ampliação do prazo para implementação das normas, de seis para doze meses, em razão da complexidade do tema e dos diversos órgãos envolvidos.[1]
Outro marco foi a atualização da Farmacopeia Brasileira pela ANVISA, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 960/2024, que inseriu, dentre outros métodos, monografias e textos farmacopeicos, a Cannabis. O compêndio farmacêutico estabelece padrões de qualidade para insumos e medicamentos sujeitos à vigilância sanitária, servindo como referência para o controle da qualidade de extratos e produtos já disponibilizados no mercado nacional.
O mercado de cannabis medicinal apresenta uma expectativa de crescimento significativa. De acordo com o Anuário de Cannabis Medicinal da Kaya Mind[2], houve um salto de R$ 3,7 milhões em 2018 para R$ 852,6 milhões em 2024, com projeção de alcançar R$ 1,159 bilhão em 2026.
2024 ficará marcado como um divisor de águas na regulamentação da Cannabis no Brasil, evidenciando o potencial transformador de decisões judiciais, ajustes normativos e iniciativas econômicas. Esses avanços demonstram o esforço de diferentes setores para atender à crescente demanda por regulamentação da Cannabis no Brasil. Para 2025, espera-se que o Brasil dê passos ainda mais firmes em direção a um modelo regulatório que equilibre inovação, segurança e acesso, consolidando o país como referência global no setor.
[1] Disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-pede-mais-prazo-ao-stj-para regulamentação-de-uso-de-cannabis-para-fins-medicinais. Acesso em 15.12.2024
[2] Disponível em: https://kayamind.com/anuario-da-cannabis-medicinal-2024/. Acesso em 15.12.2024